• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    21/02/2015 - 12:28


    CAETITÉ

    Meu velho jardim de infância

     

    Se eu fechar os olhos, enxergo, com incrível nitidez, dona Nadir, dona Cecê e Té. É como uma viagem no tempo.

     

    Atravessava o portão com minha fardinha (avental) branca, sacolinha tipo envelope a tiracolo. Meu nome bordado com letras vermelhas. Subia a primeira escada do Pavilhão Goes Calmon e acessava a sala do Jardim de Infancia das Escolas Anexas ao Colégio Estadual e Escola Normal de Caetité. Ali encontrava coleguinhas e amigos que ate hoje percorrem os caminhos da vida comigo. Juntos há mais de seis décadas. Celina, Tânia, Ana Helena, Dauzinho, Ene, Márcia, Reinaldo Caju, Welton... e muitos outros.

     

    Na ampla sala, três enormes mesas de madeira apropriadas para crianças. Em três alturas diferentes. Cadeirinhas de madeira forradas com couro. Lindas! Também em três tamanhos ou altura. Uma gangorra em forma de meia lua, um velocípede enorme. Bolas. Bonecas. Gravuras nas paredes. O piso era de madeira (assoalho). E o bando de crianças, de alegria!

     

    À direita da porta de entrada, havia uma sala que precedia os sanitários. E na parede de frente, uma tábua larga com vários pregos afixados, onde pendurávamos as nossas lancheiras (sacolinhas). Tudo muito limpo e arrumado.

     

    As professoras... Primeiro dona Nadir. Nasceu para trabalhar com crianças. Doce, gentil. Gordinha (dizem que todo gordo é gordo de bondade). Era cunhada do Senador Ovídio Teixeira e morava na casa onde é hoje o Hotel Villa do Príncipe. Sempre associei sua imagem ao generoso pé de bougainville que havia ao lado esquerdo da casa.

     

    Depois veio dona Cecê. A bondade e paciência em pessoa. Conversava conosco como se fosse uma de nós. Contava histórias lindas!  Nunca vi tamanha doçura! Ah! Ai o ditado acima peca, pois era magra e era a bondade em pessoa. Ou ainda é, pois está ai viva e forte para corroborar o que digo.

     

    E para acompanhar as duas, uma frágil figurinha morena de cabelos presos, chamada Té. Também derramava mel sobre nós. Êta tempo feliz! Ela nos ajudava a ir ao sanitário, a deixar e pegar nossas lancheiras, organizava a merenda, a sala, e ainda nos acompanhava no recreio.

     

    Posso dizer que as três representam uma parte da minha infância feliz. A minha memória guarda suas imagens com perfeição. E, se me concentrar um pouco, ouço suas vozes, seu jeito de falar e andar, sua energia de autênticas educadoras infantis. A impressão que tenho é que posso, a qualquer instante, voltar no tempo e reencontrá-las e aos coleguinhas. Talvez por isso sinta-me tão bem ao lado daqueles amigos que citei acima, pois complementam essa lembrança, essa energia de paz e meninice. Sua presença faz-me ter certeza que houve continuidade em minha vida, em minha jornada terrena. E que as sementes de amizade plantadas com tanta ternura e amor, brotaram e geraram árvores, flores e frutos, provando que ela realmente existe e é para sempre. Que, mesmo distante, somos capazes de reconhecer o amigo e conviver com ele dentro do nosso coração. Que a semente de boa qualidade e bem escolhida não se perde, mesmo que encontre intempéries, pois o adubo é bom, o solo é fértil e os cuidados vem do coração.

     

    Hoje ainda podemos ter contato com aquela senhora de 85 anos que nos ensinou ternura. Dona Ana Francisca Guanais Rochael, viúva de Ovídio Rochael e mãe de cinco filhos: Meu amigo querido Marco Antônio, o mais velho. Marco Venício, Fabíola, Lorena e Marco Aurélio (que nos deixou ainda jovem).

     

    Dona Cecê, como a conhecemos, formou-se na Escola Normal de Caetité e foi lecionar no povoado de Coité, município de Palmas de Monte Alto, depois em Umbuzeiros em Rio de Contas. Passou ainda pela Fazenda Santa Bárbara em Caetité, donde, finalmente, foi transferida para o Jardim de Infância das Escolas Anexas à Escola Normal e Colégio Estadual de Caetité, mais tarde Grupo Escolar Ovídio Teixeira, onde tive o doce privilégio de ser sua aluna.  Também exerceu o cargo de professora de Artes Plásticas no IEAT, onde extravasou ainda mais seus dons artísticos.

     

    Mãe de uma linda garotinha com Síndrome de Down, Lorena (hoje com 51 anos), mostrou a todos numa época em que o preconceito ainda dominava e as dificuldades eram imensas, que era possível sim a inclusão social. Acompanhou sua educação e desenvolvimento com imenso amor, carinho e dedicação. Exercícios físicos intensivos lhe ensinaram firmeza e equilíbrio. Foi alfabetizada pela professora Elvira Silveira (dona Virinha).

     

    Lorena revelou-se uma apaixonada por bonecas e outros brinquedos e os colecionou ao longo das suas cinco décadas de vida. Sua mãe, então, com aquela paciência divina que lhe é peculiar, catalogou cada um deles e criou a “Casa de Bonecas” em um espaço especial, que foi visitado por centenas de pessoas, que se embasbacavam com sua beleza e primor. Até escolas infantis levaram seus alunos a apreciar aquele ambiente mágico e deslumbrante.

     

    A dedicação e amor dessa mulher se estendem, até hoje, por todos que a cercam. Cuidou generosamente da sua irmã mais velha, nossa querida Professora Terezinha Guanais de Aguiar que, após um AVC em 2008, passou quatro anos acamada, com sequelas, mantendo uma vida vegetativa. Seu amor incondicional foi o grande bálsamo daquela criatura até o seu último dia de vida terrena. Dona Nadir, nossa outra professora, solteira, mudou-se de Caetité para Vitória da Conquista, onde veio a falecer vítima de um incêndio.

     

    Hoje só lamento terem posto abaixo aquele pavilhão onde palmilhei meu jardim de infancia e curso primário. Deveria ser eterno, pois foi palco da alegria de centenas de crianças e jovens que ali aprenderam as primeiras letras e ouviram histórias mágicas. Deveria ser como um monumento tombado e cuidado pelo poder público, pois encerrava uma parte sagrada da educação da terra de Anísio Teixeira. A infancia é a estréia na vida. Os mestres que a conduzem, os grandes forjadores de cidadãos conscientes e dignos. E a oficina onde tudo isso é trabalhado deve ser intocada, cuidada para sempre!

     

    Luzmar Oliveira – [email protected] – WhatsApp: 71 – 99503115  e 87247161.

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