• Gado não resiste à seca e morre à beira da pista no sertão baiano

    29/04/2012 - 00:00


    Estado

    Não se vê um sabiá ou pássaro preto cortando a caatinga. São os primeiros retirantes da seca ordinária que atinge boa parte da Bahia. O céu, azul como nunca, pertence somente ao voo sombrio dos urubus. Mau sinal. O que é fartura para eles representa a sede, a fome e a morte de outros animais. Nus, os pastos estão cinzas.

    Em alguns povoados próximos a Itiúba, microrregião de Senhor do Bonfim, no semiárido baiano, as áreas reservadas ao gado parecem ter pegado fogo. O carro de reportagem começa a estremecer de repente, na estrada de barro entre a BA-381 e a pequena cidade de Andorinha. As chamadas costelas de vacas, dobras que a falta de chuva deixa no meio da pista, tornam a viagem demorada. Mas, é em ritmo lento que a seca fica ainda mais triste. Devagar, é possível ver os primeiros pontos brancos em forma de ossadas. Uma a uma vai surgindo. São seis, em uma distância de 15 quilômetros. As carcaças de crânios são a face mais clichê da estiagem, mas também a mais melancólica.

    Os animais vivos estão fracos, magros. Muitos não aguentam e ficam “arriados” o dia inteiro. “Tem umas vacas que a gente precisa de cinco homens para levantar e, mesmo assim, não adianta. Elas tornam a cair e em pouco tempo acabam morrendo”, diz Domingos Lopes, 74, que enfrenta toda a arrogância do sol para salvar o que lhe resta.

    Em pequenas propriedades como a de Domingos, os bichos se protegem debaixo do que resta de vegetação. Quando vê a nossa equipe, o chefe da família mete o facão dentro da bainha e inicia a sessão de lamúrias. Três cabeças do rebanho não resistiram e morreram dentro do seu terreno de 300 tarefas, em Sítio de Piau, a uns 30 quilômetros de Itiúba. Água, só de um pequeno açude improvisado ali perto. Água ruim, tanto para gente quanto para bicho. “Às vezes, até o gado rejeita. É muito salgada”, afirma o velho criador, chegando próximo à cerca de arame farpado.

    Para evitar mais mortes, seu Domingos, as duas filhas e um neto têm a difícil missão de retirar os espinhos dos mandacarus. São essas plantas que vão alimentar o gado daqui para frente, pelo menos enquanto não chove.“O mandacaru é somente para ir tapeando eles por enquanto. E a gente vai trabalhando debaixo do sol, furando a mão com os espinhos”, lamenta Domingos, que também tapeia a própria fome com um pedaço de pão seco. “É o meu lanche”, completa, refletindo a aspereza do próprio cotovelo e da boca partida à imagem do chão seco.

    Correio 24 horas

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