• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    Foto: Arquivo | Sudoeste Bahia Foto: Arquivo | Sudoeste Bahia
    17/05/2016 - 22:46


    CAETITÉ

    O famoso Mulungu

     

    Quando a romaria de Bom Jesus da Lapa se aproximava, os comerciantes instalados e informais começavam a se preparar para as vendas. Eram barracas por todo o Mulungu. Algumas feitas de palha de coqueiro. E ali se vendia “café com massa” (expressão regional, que significava café, leite, pão com manteiga, bolo e outros opcionais). Saía também o famoso “PF”, que continha arroz, feijão, galinha ou carne e alguma verdura. Ah! E farinha! Qual nordestino não ama a farinha de guerra? É a farinha feita de mandioca brava, irmã do aipim. E de cuja folha se faz aquele refogado delicioso, a famosa maniçoba.

     

    Mas o gostoso mesmo era a laranja. Balaios e carrinhos de caixão lotados. E como eram doces! Havia até uma maquininha com manivela giratória para descascar aquela fruta e a casca saia em uma tirinha bem fina, o que encantava meus olhos de menina e, mais tarde, de adolescente. Ainda hoje quando (raramente) a vejo, fico toda contente.

     

    Naquela época o Mulungu era bem menos habitado, sem calçamento, e não era bem urbanizado. Mas era o ponto de maior movimento de Caetité. Alguns hotéis, postos de gasolina, escola, posto de saúde e era onde ficava a famosa “bomba”, ou seja, uma pseudo-rodoviária, onde paravam todas as linhas de ônibus que serviam à cidade, e era ali a entrada e saída de todos nós! 

    Outra curiosidade era a casa de um famoso e milionário comerciante de Caetité, o velho Zuza, o homem que, reza a lenda, mantinha um diabinho preso em uma garrafa, e dele vinha toda a sua fortuna. Essa história era tão famosa, que rendeu um personagem homônimo em uma novela global, que também tinha o tal cramulhão no garrafão.  E isso gerava certo medo na meninada. Uma vez estivemos, Cleide e eu, em seu quintal, onde havia umas famosas jabuticabeiras. Entramos morrendo de medo do tal bicho. De repente, Cleide caiu de um galho mais alto, machucando o pé. Saímos correndo em disparada, certas de que foi ele quem a derrubou, e nem olhamos para trás. (Risos).

     

    Ao lado da “bomba” ficava o Hotel de Zizi e Zé Chaves – hoje proprietários do Armazém 437 aqui em Salvador, ponto de encontro dos caetiteenses. Costumava dar uma chegadinha lá à tarde, no bar de Zé, para comer salsicha (em lata) e tomar Coca Cola. A princípio em companhia das minhas amigas Edna Prisco, e depois Vera Neves, em épocas diferentes. Até hoje relembro com saudades essa merenda tão simples e deliciosa, que encheu de encantos minha juventude.

     

    Por falar em gostosura, nada me faz esquecer o sorvete de dona Lindaura. O Sr. Maurílio, seu esposo, era proprietário do Posto Sertanejo, uma casa de peças de veículos e, ao lado, ele tinha também um restaurante com sorveteria, gerenciada pelo nosso querido Miguel (o mesmo que trabalhou com Dominguinho). Eu era uma espécie de amiga “da casa”, ou seja, amiga de toda a família e sempre muito bem tratada ali. Costumava visitá-los depois do almoço, quando dona Lindaura ainda estava despachando os almoços que saiam por uma janelinha que ligava a cozinha ao estabelecimento. E era por esta mesma janelinha que entrava o meu copão de sorvete... Que sempre repetia! Saudades desse casal que já tomou o trem de volta à verdadeira pátria. Saudades também dos seus filhos Lia, Dô, Neide, Nair e Walmique, que sempre serão meus amigos queridos.

     

    Mais adiante, havia outro posto, o “Vencedor”, do Sr. Antônio Rodrigues, que também mantinha um hotel com a sua família. Do outro lado da pista, algumas casas e, numa delas, morava a família do Sr. João Alves Sobrinho, pai dos meus queridos João Elísio e Enardes, cujo tio, Jailton, era um grande amigo da minha família. Em frente ao hotel de Zizi (Globo), a famosa “bomba” que nada mais era que o posto de gasolina de Antonio Gomes. Com a sua morte, passou para seus irmãos Vavá e Almir.

     

    Um pouco acima, o Hotel Bahia de dona Arlinda e Silva. Ao lado, por determinado tempo, funcionou uma casa de peças do meu saudoso cunhado Pame. Além dos citados, havia muitas outras famílias e casas comerciais por ali. Mas o gostoso mesmo era o largo, onde hoje há uma praça ajardinada. Era o espaço reservado a circos e parques que ali se instalavam em longas temporadas. O centro das nossas diversões. Os parques com seu serviço de alto-falante a oferecer músicas: “Atenção fulana, ouça essa música de fulano lhe oferece como prova de amor e carinho!”

     

    E os circos com seus palhaços, mágicos, trapezistas, cantores, atores... Todos habitantes de um mundo mágico que nos encantava. Esse era o nosso Mulungu. A única entrada da cidade. Uma continuação da Rua Dois de Julho onde morei por tantos anos. Um bairro fascinante, pois por ali passavam os carros motorizados e os carros de boi carregados de produtos para a feira livre ou de lenha, para abastecer os fogões de todas as casas de Caetité. Um bairro por onde passavam também os mortos, pois era a via para se chegar ao cemitério.

     

    Mulungu. Deve seu nome às árvores homônimas que eram presentes naquela região. Madeira mole, semente vermelha, e medicinal. Serve para combate a tosse, a dor de cabeça, é diurético, baixa a pressão, tranquilizante, bactericida, sedativo, narcótico, expectorante, antiinflamatório e talvez muito mais. Nosso querido Né Raizeiro (meu vizinho e amigo do meu pai) comercializava suas sementes e casca, revendendo-as para laboratórios paulista. Com suas lindas flores, enfeitava a entrada da cidade. Da última vez que lá estive, não vi mais nenhuma... só a sua saudade!

     

    Há muito mais para se contar sobre o Mulungu. Toda a cidade gostava de visitá-lo, ver os romeiros, tomar ônibus na “bomba” ou receber seus entes queridos que voltavam para as férias. Todos gostavam de lá. Há muita coisa a ser dita, muitas histórias a serem contadas, muitas despedidas a serem narradas... há muito para de desvendar sobre o mito Mulungu! Eu apenas comecei a narrativa... vocês continuam!

     

    Luzmar Oliveira – [email protected] – Zap: 71 991031847

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