• Caetité, pequenina e ilustre – Por Luzmar Oliveira

    11/03/2015 - 23:36


    CAETITÉ

    Uma cidade católica por excelência

     

    “Eu sei que vocês gostam muito de uma santa! É uma santa muito feia!”

    E eu, criança, ouvia assustada aquele padre desconhecido com sotaque estrangeiro, andando de um lado para o outro a gesticular e falar alto. Ele fazia parte de um grupo que ia pelas cidades na “Santa Missão”. Celebrou naquele domingo a missa das nove horas, a das crianças. O vi apenas uma única vez, mas jamais o esqueci. “E essa santa é a santa preguiça!” Concluiu.

     

    Ah! Senti-me aliviada, ele não estava ofendendo nenhuma das santinhas da nossa igreja. Se bem que havia por lá uma imagem que, com o coração cheio de culpa, achava muito feia.

     

    Eu era uma menina católica e sentia orgulho disso, pois essa era a religião predominante na terra de Senhora Santana. Assistia todos os domingos à missa das nove, tomando a comunhão após confessar-me no sábado aos pés de algum padre. De joelhos! E cumpria a penitencia que era dizer alguns Pai Nossos e Ave Marias.

    Colonizados por portugueses, não tinha como não sermos um país católico. E com a belíssima catedral, que é um dos símbolos da nossa terra, éramos assíduos freqüentadores de missas, novenas e procissões. E o tocar dos sinos? A cada missa, eles nos convidavam à sua participação.

     

    O relógio da torre tocava de hora em hora anunciando uma, duas... e às dezoito, tocava nove vezes, pois era a sagrada hora da Ave Maria. Parávamos, fazíamos o sinal da cruz e rezávamos a oração do Ângelus.

     

    Mas, tristemente, havia o toque dobrado também. Era quando anunciavam que alguém morreu. Que triste! Parodiando o filme, perguntávamos: “Por quem os sinos dobram?” E o serviço de alto falante convidava a todos para o enterro. Havia ainda, naqueles momentos fúnebres, a queima de incensos que até hoje tem, para mim, o cheiro da morte. Essa era parte da rotina da nossa Caetité.

     

    Sede de bispado desde 1913, aquela cidade esbanjava fé e religião. Seus habitantes se enchiam de orgulho ao olhar o Palácio do Bispo e a Casa Paroquial. Para nosso orgulho tivemos a visita do Núncio Apostólico, um legítimo representante do Papa. As escolas organizaram desfile para a sua recepção e houve até um hino para homenageá-lo: “Viva o Papa/Deus o proteja/O pastor/Da Santa Igreja/Em brado firme e forte/Ergamos um cantar/Dos filhos seus humildes/Que ao Papa vem saudar/Marchar, marchar soldados/Marchar, marchar valente/Com fé e amor conteste/Em júbilo marchar!/Via a igreja/Templo da fé/Viva a igreja/E a Santa Sé/Correndo vamos todos/A benção implorar/E o nome do Pontífice/Cantar, cantar, cantar!”

     

    Outro fato interessante e que me deixou curiosa, foi o aparecimento de um padre estrangeiro. Estava na porta da minha casa, na 2 de Julho, quando passou um senhor de batina carregando quatro malas enormes. Ele carregava duas, colocava-as a alguma distancia, voltava, apanhava as outras duas e já as deixava mais adiante. Fiquei ali admirando e achando-o muito inteligente. Sei que passou uma boa temporada em Caetité. Era um senhor maduro, de pele avermelhada, cabelos ralos e brancos e usava uma espécie de casaco (tipo sobretudo) branco sobre a batina preta.

     

    Além de ser sede da Diocese, Caetité tem também um dos primeiros, se não o primeiro, Centro Espírita Kardecista do interior da Bahia. Criado pelos seus filhos Aristides Spínola e João Antônio dos Santos Gumes em 1905, como Centro Psíquico de Caetité, hoje tem o nome do primeiro: Associação Centro Espírita Aristides Spínola. Era quase que totalmente restrito à família Gumes, sendo agora aberto ao público espírita.

     

    Próximo à cadeia havia a Igreja Presbiteriana. A mesma, como a Católica, possuía um serviço de alto falantes. Em ambos, a voz era do seu representante máximo: O Pastor e o Bispo. Contam que na década de cinqüenta, início de sessenta, havia verdadeiros duelos orais entre ambos. Quando o Pastor foi substituído, veio um casal. E aquela senhora muito bonita e elegante, dona Eliane, esposa do novo líder presbiteriano, além de ser nossa professora de Canto Orfeônico também dava aulas particulares de piano. 

    Lembro-me, entretanto, das belíssimas músicas tocadas por um deles. Começava assim: “Essa é a voz da Igreja Presbiteriana de Caetité. Com mais um hino em gravação: ‘Oh! Que lindo jardim onde Cristo me espera/Onde as flores exalam poder./Cristo meu salvador, abre as portas do amor/Que eu me sinto feliz em viver’...”

     

    E eu ouvia, encantada, aquelas orações em lindas vozes. Era sempre à tarde. Foram sons que jamais saíram da minha memória. Foram momentos realmente marcantes. Se fechar os olhos, ouço-os nitidamente. Que lembrança linda!

     

    Seu povo de muita fé fez a cidade se abrir para novas religiões, as chamadas Evangélicas. Elas não existiam lá no meu tempo. Nada posso comentar.

     

    Falo, entretanto, da enorme quantidade de batismos e crismas. Do catecismo. Das festas de São João, Divino, Santana. Da Semana Santa. Da Páscoa. Da Missa do Galo. Das missas festivas sempre muito longas, que lotavam tanto a nave da igreja, que muitas vezes nos sentamos no chão. Era quando a turma aproveitava para “aprontar”, amarrando os cadarços dos sapatos dos homens uns nos outros. Prendendo com alfinetes os vestidos rodados das mulheres também uns aos outros. Subindo as escadas (que são de madeira) do coro para depois descê-las correndo e fazendo barulho, tomando carão de “Toe Piscucim” que, após de nos expulsar, trancava o acesso.

     

    Falo dos anjos das procissões, sempre orientados por Tuninha (fui anjo uma única vez, o que sempre lamentei). Das lindas procissões. Das peregrinações aos Cruzeiros na Semana Santa.

     

    Falo de uma Caetité distante. Com lembranças e saudades. De uma época que deixou em nós a marca de uma crença, da certeza do amparo superior. E hoje, mesmo espírita Kardecista, ainda tenho enorme fé em nossa Padroeira Santana. Saindo muitas vezes para acompanhar seus festejos em julho, percorrendo os mais de setecentos quilômetros para participar das suas homenagens.

     

    Luzmar Oliveira – [email protected]  – WhatsApp: 71 – 99503115  e 87247161. 

    http:// facebook.com/luzmar.oliveira1

     

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